Junho 02, 2007
FuckItAll
Se foi uma surpresa, um choque, e uma quantidade de novas questões para pensar? Sim. Se foi mesmo um acontecimento marcante? Sim, sim. Um grupinho de miúdos, entre o pré-púbere e o recém-adolescente (sim, a fase etária alvo do tal famoso filme, mais uns quantos mais velhos) juntava-se lá em casa em longas e preguiçosas tardes de verão para ler aquilo em voz alta, entre risinhos parvos, o que quer dizer que nos divertimos e não nos sentimos assim tão agredidos - embora nos tivessemos sentido questionados e aquilo desse para alguns debates. Neles, mas antes de tudo no muito tempo que dediquei a ler e digerir aquilo sozinha, aprendi imenso. Aprendi imenso sobre sexo, prazer e a infinita plasticidade deles. Sobre a infinita plasticidade da violência e do poder. Aprendi muito até politicamente. Aprendi que se pode perder o medo de dizer as coisas nuamente, que se pode perder o respeitinho à tão útil ficção social, que se pode usar o monstruoso como poética e retórica política, que o sexo pode ser uma experiência fascinante de libertação da norma e de subversão do valor. Aprendi, diga-se, com um radicalíssimo liberal, com um anarco-fascista. Bons mestres, não é? Bom. O que não aconteceu - e só vos posso dar a minha palavra a este respeito, lamento, there is no way i'm gonna discuss this any further - foi aquela leitura, que demorou anos a estar concluída, provocar-me qualquer trauma. Ou tornar-me menos inocente e desastrada do que qualquer outro adolescente. Não suscitou nenhuma adesão desmiolada, nenhuma confusão (ou desejo de confusão) entre ficção e realidade. Não provocou também uma rejeição, porque fiquei fascinada com a inegável beleza e razão própria da violência moral e intelectual daquilo tudo. Passou apenas a integrar as minhas referências.
Que fique claro, não estou com isto a defender que se promova a leitura de Sade pelas criancinhas (scenes we'd like to see...). Queria apenas tirar daqui , como moral da história, que o contacto com conteúdos sexuais explícitos, mesmo numa das expressões mais violentas e desadequadas a miúdos de que consigo lembrar-me, não provoca necessariamente nenhuma catástrofe. Que a inocência não morre da informação, morre dos medos e preconceitos, de ocultações e proibições. E que me parece boa atitude oferecer a um filho direcção, informação, apoio, conversa, tudo isso até um ponto razoável- mas também convém obrigarmo-nos a um respeito progressivo pelo espaço de desenvolvimento pessoal, para a procura e descoberta, e ainda para os acasos da vida, para a sucessão de acidentes e incidentes que são a história de vida de cada um de nós, e que acabam por ir também fazendo parte das pessoas que somos.