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Womenage a Trois

Women's True Banal Stories - womenageatrois@gmail.com

Março 22, 2010

Cenas Obscenas

Por exemplo, os disparates. Não é que haja algum mal neles (basta atentar bem para o que se escreve neste blog), em si, ipso facto e ab ovo. Mas há disparates especiais. Aqueles que a gente não percebe bem a razão, que não fazem rir, só dão despesa e ralações ao povo. Por exemplo, o que vi hoje na televisão, ao espreitar, por volta do quarto para a uma, a RTP-1. Para não variar, o tema era a criminalidade. Nada que se compare à TVI e ao deslumbrante espectáculo de carradas-de-bué-de-parvalheira-em-barda que aquele senhor chamado Goucha nos brinda diariamente. Nada disso, afinal televisão pública é outra loiça. Não vi facadas nem histórias de carpideiras live à mistura com o ar combalido-metamórfico-ponto-de-rebuçado, mistura de marinada de tandoori com farófias aromatizadas com anis dos Cárpatos, tudo em banho-manel, claro, com que o apresentador é pródigo em apresentar, em solene salmo com a menina-bojardeira que o acompanha e aquele personagem, feito vereador da CM de Odivelas, chamado Hernâni Qualquer Coisa e que adorava levar lá, um dia, um pedófilo e caçador de focas bebés em part-time, metido numa jaula, para o povo poder vilipendiar e atiçar os tarecos e os bóbis que lá têm em casa. O eu eu vi hoje era muito mais elevado, simultaneamente soft e sofisticado para qualquer intelectual não botar defeito, e também terra-a-terra para qualquer taxista (ou mesmo, arrisco, torneiro-mecânico) dizer que sim senhor, assim é que é.

Dizia eu que falavam de crime, prato tão habitual a estas horas nas televisões generalistas como bitoques nas tascas portuguesas. A parte que espreitei meteu uma reportagem sobre uma ourivesaria no Cartaxo, ou lá perto, que foi assaltada, ao que parece, várias vezes. O habitual relato das circunstâncias, do evento, da forma como o dono foi amarrado e ameaçado e espoliado. Eu esperava, depois, era informação sobre prejuízos, seguro e, sobretudo, estado da investigação policial, se houve testemunhas, se há novidades, se a polícia está às escuras, etc. Umas estatísticas, uns dados, um enquadramento, talvez não fosse mal pensado. Mas a uma da tarde aproximava-se a passos largos e as notícias vinham aí. Portanto, retornaram ao estúdio e o convidado que lá estava (presumo -espero- que tenha lá ido por outro motivo) serviu também como "especialista" para isto. E quem era ele? O inefável Prof. José Pinto da Costa, eminente médico legista tripeiro, conhecido por ser homem de opinião forte, voz tonitruante e vetusta barba a condizer. E que inesquecível que foi, ver o respeitoso personagem opinar, com a determinação que lhe conhecem, sobre política criminal, comportamento habitual dos criminosos, conselhos sobre segurança, assim um misto de guarda da ronda de bairro e porta-voz da PSP em dia de Sporting-Benfica na Luz. Um mimo. Não sei de onde lhe vem esta expertise sobre o assunto, se é de leituras intensivas do Correio da Manhã ou de qualquer estágio na PJ entremeado com as autópsias na Medicina Legal. Mas quem o ouvia nem acreditava que o senhor fosse médico e não um qualquer émulo do Moita Flores ou um cagador-de-postas-de-pescada diplomado. E de tal maneira empolgado, motivado e entusiasmado que a Sónia Araújo (é este o nome dela, não é?) praticamente teve que lhe cortar o pio para não deixar passar as 13.

Depois do espanto, a satisfação. Lembrei-me imediatamente de um sketch do Herman dos saudosos tempos (do Crime na Pensão Estrelinha, se não me falha a memória), em que o senhor X, pasteleiro, entra em directo para falar de bolos mas a Ana Bola só tinha perguntas sobre outro tema, de que ele não percebia nada. E depois de uns quantos gags, sai-se com um "porque é que não convida o Nuno Rogeiro? ele sabe de tudo... ou então o Dr. Cunhal, porque responde sempre o mesmo independentemente do que lhe perguntar". Hoje podia acrescentar: "convide o Prof. Pinto da Costa, que ele falará com a mesma convicção sobre rigor mortis e sobre modas e lavores".

 

P.S. - Isto foi só para justificar as miríficas recompensas com que fui acenado para escrever qualquer merdice nesta miséria de inauguração. Logo que receba o graveto mando tudo pentear bugios e volto para a minha confortável cena de mosteiro. Fica a faltar o filme que o doutor Talvez me pediu e que eu, num momento de fraqueza, acedi.

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