Foi a 1 de Outubro,
aqui, que escrevi as minhas últimas palavras acerca das crónicas semanais da Margarida Rebelo Pinto no jornal Sol. Depois, sinceramente, fartei-me e achei que não valia a pena o esforço. Eis que, dando uma vista de olhos ocasional, deparei com
a sua última crónica.
Eu gosto mas é do Verão, é como graciosamente se chama. Começa mal, nem sequer sabe citar a musiquinha da Fúria do Açúcar. Mas adiante. O tema da crónica é, bom, o Verão que está aí a chegar e que desperta os calores de homens e mulheres por esse país fora. Portanto, a zeladora dos bons costumes, a guardiã da estabilidade dos casais, a fiel depositária da confiança conjugal, a vigilante paladina da harmonia entre sexos viu-se obrigada a lançar o alarme geral: vale a pena alertar para o grande perigo que o Verão representa para as relações estáveis, mas pouco seguras. De seguida, desfia o rosário dos sinais de perigo: as meninas que andam pelas ruas de tops e minis, os meninos que vagueiam pelas esplanadas de t-shirt apertada, tentando-se uns aos outros, todos à mercê do calor estival, que faz brotar outros calores igualmente naturais mas, presumo, socialmente inconvenientes. Percebi, pelo vocabulário, que MRP devia andar de dicionário debaixo do braço quando escreve crónicas: O calor puxa o espírito aventureiro e convida a actos inconsequentes. Inconsequentes? Bom, pensei eu, se são inconsequentes, onde está o problema? Depois acrescenta, numa bela imagem literária, que a testosterona anda no ar. Soa tão bem esta frase, tem uma delicadeza verdadeiramente poética. E verifico que a menina é perita em química. Pelo sim, pelo não, digo: mulheres deste país, não respirem fundo nesta altura do ano, ainda vos crescem pêlos no peito e se vos engrossa a voz.
A missão foi cumprida. O alerta foi lançado. Como diria o Tinóni, "eu estou a avisar!". Portanto, cuidado com o calor, com as férias, as praias, as piscinas, os ginásios, cuidado com as esplanadas (autênticos viveiros de elevado interesse turístico e não só), cautela com os ritmos afro-cubanos. É melhor nem olhar para ninguém, é melhor meter baixa e, à cautela, encerramento doméstico ou internamento hospitalar, deduzo eu. A sério. É que as pessoas andam tão atentas que até uma paragem num sinal de trânsito se pode transformar num encontro pseudo-amoroso. Boa Margarida, como é perpicaz e nossa amiga!
A crónica semanal chama-se Com muito prazer. Não percebo bem onde está. Não percebo bem onde quer chegar. Ela lá saberá. Homens de túnica até aos pés, mulheres de burqa. Deve ser isso. O Diáconos Remédios não diria melhor. Mas decerto com mais piada.
Mas... mas a bela Margarida é marota. Hein? Naughty naughty. Ela está só a brincar connosco. Ou, se calhar, a encher papel. Está só a dar-nos, de antemão, puxõezinhos de orelhas, como meninas e garotos mal-comportados. No fundo, no fundo, ela quer é que a gente não exagere. Pronto, tudo com peso, conta e medida, concluí. "Portem-se mal mas não abusem, seus safadinhos, suas malandrecas; vá, vá, vão lá brincar, vão, mas depois não digam que não vos avisei", podia ser a frase final da crónica. Ora, é claro que uma escritora do gabarito da Guidinha não podia escrever palavras destas. Vulgares e banais. Seria indigno. Portanto, anunciava-se um clímax portentoso, um final de thriller, um volte-face que nos levasse todos ao tapete, rendidos ao seu talento. Assim, num assomo de fino recorte metafórico, realmente inédito e vanguardista, encerra a crónica desta forma:
Vale a pena combater a força da mãe natureza? Talvez, mas é como deixar encher uma barragem até ao limite; o risco de rebentarem as comportas aumenta de dia para dia. E depois, salve-se quem puder.
Ora confessem lá: é ou não uma pérola sublime, um bálsamo para o intelecto, ler um remate final destes? Até eu, que sou casca-grossa, sustive a respiração e emocionei-me. E depois converti-me. Vou já deitar fora a Lírica de Camões e comprar os romances da Margarida.